quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Facas e anjos.


Foram tantas as vezes que não te vi no teu sossego taciturno, no teu silêncio desembocado e aquoso. Parecias não querer ver a minha dor e passavas horas a fio a contemplar-te ao espelho como se fosses a única neste mundo a poder ser prezada. Na verdade, não davas valor aos teus olhos, à tua peculiar boca por onde transpiravas doces palavras que hoje gravo numa gaveta fechada. Odiavas todas as curvas do teu corpo, dizendo que eram demasiado tortas e esguias e com muitos remendos e costuras. Abominavas as tuas pernas porque, no teu entender, eram feitas de escárnio teu e, quiçá, não havia outro alguém a desdenhá-las (mas isso, só tu e Ele sabem). Para meu grande espanto, reconhecias que os teus seios eram pequenos! E eu que sempre pensara que os achavas dois grandes faróis de camiões.
Sabes, no outro dia olhei para ti, como que a bisbilhotar a tua inocência e a tua deterioração. Estavas tão débil, ali. Os teus minuciosos braços faziam transparecer os teus ossos. Tinhas uma lâmina na tua mão: com veemência, raspava-la na mão e no antebraço. Fechei os olhos com as mãos e não vi mais nada.

2 comentários:

Marta Dantas disse...

Deixa que os meus braços gordos te abracem.
O Espelho está nu e cego.

Estou uma embalagem de banha de porco.

as velas ardem ate ao fim disse...

Ainda bem que te segui vinda de outro blogge.

Tens aqui um espaço dos melhores que já li,fantastico.Vou passar a ser visita assidua.

bjo