domingo, 4 de outubro de 2015

Welcome white bird.

Voltaste Matilde?

Menos clarividente, mais crescida, menos passarinho voador. Crescer faz destas coisas: torna-nos sensaboronas, sem gosto, sem graça, insalubres, ou, pelo menos, tira um pouco o gosto do nosso olhar aéreo do mundo. Traz-nos e torna-nos mais terrestres.
Traz(-nos). Para onde? Não sei e sei-o bem. Traz-nos para lugares que o dia-a-dia não deixa perceber que lugares são. Lugares na terra que são pouco ocult
os, (bem ou mal) frequentados. Frequentam-nos pessoas como tu, como os adultos, como os velhos. Frequentam-nos pessoas sem tempo para a vida e ainda como menos vida para o tempo, pessoas fartas e cansadas, pessoas cansadas e fartas, pessoas que nem sabem usar metáforas, eufemismos e outras figuras de estilo que tanto de riqueza têm e tanto de pobreza lhes é atribuída. Sempre gostei de metáforas. Continuam a ser a minha figura de estilo favorita, o que não significa que continue a usá-la.
Uso-a hoje de novo para te evocar (e para te invocar), ó Matilde. 

Voltaste. Voando, marchando, caminhando, rastejando. A que preço chegaste a mim hoje? Prefiro nem saber. Como sempre, chegaste de todas as maneiras menos num cavalo branco (e note-se que a manhã de hoje também não era de nevoeiro; pelo contrário, de nuvens semeadas por esse céu cinza escuro, uma verdadeira manhã de outono, quente, ventosa e que pedia e dava chuva aos olhos de quem o contempla).
Tanto tempo passou. Bem sei, sempre andaste por aqui. Estúpida fui eu que pouca atenção te dei. Desculpa-me doce Matilde. Que idade tens tu? Olho para ti: vestida de branco, lábios pintados de vermelho, prontos para dar um beijo na testa a quem o queira receber. Metade de ti diz-me que estás com uns setenta e sete anos. A outra metade revela os teus vinte e três anos. Que idade tens tu? 
Será que te posso pedir um abraço? Será que tu mo vais dar? Será que guardas em ti a mesma força frágil (in)capaz de soprar um dente de leão? Se sim, bem sei que serás capaz de me abraçar forte neste dia em que te dou a atenção que mereces, que precisas. 
Matilde, clara. Hoje eu também sou clara para ti. Podes vir, aproxima-te. Vem. Vem.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

crescer.



Olha quem chegou. Foste tu e não eu.
Sempre o mesmo a falar a palavras meias e, como se isso não bastasse, até sem abrir a boca tu dizias coisas que eu nunca consegui compreender (acho eu).
Fazias-me perguntas que eu achava que não eram apenas feitas por mera cusquice; tenho a certeza que tinham um sentido. E que crescido estava o teu sentido; mesmo se nunca te conheci como já foste, eu sabia que estavas crescido.
E pergunto-me se ser crescido é um estado depreciativo da condição humana. E há coisas que me respondem aos olhos que “Sim”, que crescer é ser um refém do corpo, da velhice, da monotonia, dos dias iguais a outros dias. Outros que me fecham os olhos e me escrevem a resposta nas mãos: crescer é descobrir todos os dias coisas novas, em qualquer idade.
As mãos não mentem; mas o que é certo é que eu cresci mais dez centímetros desde a ultima vez que me medi e continuo a mesma desde então: a mesma clave de sol muda, a mesma com os olhos pesados, a mesma a sangrar (ainda mais) das narinas em dias aleatórios. A mesma. Mas mais vazia, mais sem ar, mais sem brilho, com ainda menos palavras, mais presa ao seu próprio corpo, sem ar, sem vida, sem nada.
E lá está, crescer é ficar com os pés presos ao chão: é difícil voar mesmo tendo asas.
E tu, como cresceste?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

ao meu Pássaro Azul,




"Há cem milhões de estrelas só na nossa galáxia. E em todas elas o teu olhar existe."
E tu fazes-me falta. Faz-me falta tocar neste mesmo teu olhar com a minha iris em tons de teia de aranha. Mas ainda assim te revejo em cada estrela, mesmo se já não olho para elas há tanto tempo e se tantas são as vezes que não me sinto aquecida por elas. Ainda ontem me sentia tão afogada no frio da noite e tu fizeste-me falta como tudo, como todas as luas que existem (mesmo se só existe uma e uma só). Mas as estrelas estavam lá. E tu onde estavas?
Continuas a ser o mesmo pássaro azul. (?) Pergunto-me e respondo-me, em simultâneo, porque no meu coração hás-de sempre ser esse voador que traz no bico sementes de amor infinito.
E neste dia, gostava de te ter a voar no meu céu, de olhar pousado nas estrelas. Eu estou cá em baixo. Também a voar, não tão alto, mas a voar sobre os mares. A viajar. Porque se tu és um pássaro, eu também o sou.
Parabéns por voares tão bem. Infinito céu azul.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os dias passam e voam. E eu às vezes não tenho asas para os acompanhar nesse voo. Mas a Matilde voa; por isso, não tem ela vindo ao teu encontro. 
Aqui, neste mesmo banco de ervas daninhas que piso enquanto molho os pés neste cair da manhã de Inverno, vejo-te eu por entre os ramos cobertos da neve que gostava de tocar contigo. Em vez disso, e fora da sua época sazonal, flutuam flores de Primavera ansiosas por me verem. Não as queres também visitar?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

a nossa casa (?)



Noite branca. Não há neve; bem pelo contrário: estou cheia de calor. Cheia de me rebolar e de me enrolar em pensamentos gordos e feios.
Entrei na casa, recebida por duas caras quando o que queria na realidade era que a porta se abrisse sozinha e me convidasse a entrar e a dirigir-me ao quarto. Apesar de todos os pesares e de não ter sido isto o sucedido, dirigi-me na mesma ao quarto. Cama por fazer. Fi-la de fresco com lençóis que cheiravam a mim (e como me custaria se outrem os usasse; e como me custaria usar outros se não estes, os meus, os que cheiram ao meu perfume sem grande definição).
A vontade era de deixar entrar pela casa o eco das novas bandas sonoras que ouvi ontem pela manhã, as que alguém de tamanha importância me deu a conhecer. Mas não posso. E tudo me dói quando vejo tudo o que é meu ocupado por outro, tudo dividido, tudo partido em meia-lua, em quartos ou em oitavos. Agora tenho um “eu” elevado a oito a gritar-me por dentro, a reclamar por espaço, por amor, por privacidade. Fiquei mais concentrada, uma versão mais rasca do sunquik.
Pergunto-me como, numa coisa tão pequena, há espaço para tanto egoísmo, tanta futilidade.

A Matilde volta, cheia de olheiras, cheia de si, cheia de sono, farrapo, velha. Mesmo assim, deseja-la? Desejas lê-la?